Questionar a própria sexualidade pode ser um processo longo e difícil. Passamos a vida toda cercados de heteronormatividade - a ideia de que todos são (ou deveriam ser) heterossexuais. Os casais da novela são héteros, os casais dos filmes são héteros, os colegas da escola são héteros (e os que não são, são motivo de piada).
Pra mim, o processo até entender que eu não era, de fato, hétero, demorou bastante (alguns anos, eu acho) e foi também um processo muito solitário. Na época, entre os meus 15 e 18 anos de idade, eu sentia que não podia conversar com ninguém sobre essas coisas.
Esse post é pra você que tá passando por algo parecido, e também é pra mim mesmo, pro meu "eu" do passado, que ainda não tinha entendido que é um homem bissexual.
1. "Isso não é pecado"
Eu cresci muito próximo à igreja católica. Meus pais nunca foram fanáticos religiosos, mas ir à igreja era um ritual que cumpríamos todo domingo. Fiz a catequese e só me separei da religião depois de ter sido crismado. Mesmo assim, muito daquela forma mais tradicional de pensar me acompanhou ao longo de muito tempo.
Eu tinha muito medo de que aquelas coisas que eu estava pensando e sentindo sobre outros garotos fossem erradas, fossem um crime. No começo, além desse medo, percebo que tinha um pouco de nojo também, como se estivesse me sujando ao pensar aquelas coisas. Eu lutava com esses pensamentos, tentava me distrair ou negar tudo isso, o que só dificultou e atrasou mais a minha autoaceitação.
Queria que alguém tivesse me dito que nada do que eu estava sentindo, pensando e questionando era errado, sujo ou pecado. Na verdade, eu estava apenas conhecendo a mim mesmo aos poucos.
2. "Não tenha pressa"
Depois que percebi que não conseguiria simplesmente me livrar desses pensamentos, comecei a tentar apressar o processo. Queria encontrar logo um rótulo para o que eu era e sentia que eu precisava ter certeza daquilo antes de poder contar pra alguém.
Lembro que contava quantas pessoas me atraíam no transporte público. Achava que se fosse um número maior de garotos, isso significaria que eu era gay, e se fosse um número maior de garotas, que era hétero. Repeti esse processo várias e várias vezes, quase como um jogo pra mim mesmo. Só que eu sempre perdia esse jogo, porque nunca chegava à conclusão nenhuma. "Hétero" e "gay" eram dois rótulos que não faziam sentido pra mim, pra quem eu era. Não conseguia sentir que me encaixava em nenhum dos dois.
Hoje, percebo que eu não precisava tanto correr atrás de um rótulo, de uma classificação. Se eu tivesse me permitido estar em dúvida por um tempo, acolhido esse questionamento, teria me estressado menos e o processo todo seria bem menos desgastante.
Acolher a sua própria dúvida já é se aceitar.
3. "Eu também já passei por isso!"
Como eu disse, encarar todas essas dúvidas foi um processo muito solitário. Criado na heteronormatividade, eu achava que as pessoas não questionavam as suas sexualidades, apenas existiam com elas. Achava que todo mundo "sempre soube" o que era, menos eu. Mesmo quando ouvia algum tipo de discurso de "saída do armário" (geralmente de pessoas gays, na época), era algo na linha de "eu sempre soube, desde pequenininho!" ou "é, eu era uma criança viada mesmo!", e eu não conseguia me ver nesse discurso.
Agora sim, eu percebo que desde muito cedo eu não me encaixava no que as pessoas esperam de um menino hétero. Eu nunca me interessei por esporte nenhum, eu não gostava da forma como os outros meninos falavam sobre meninas. Mas não sabia que isso tinha a ver com a minha própria sexualidade e com a forma como eu me comporto, como performo a minha masculinidade. Essas percepções só vieram justamente quando comecei a me questionar.
Teria sido muito bom poder conversar com outras pessoas que passaram por algo parecido. Por algum tempo, achei que fosse louco. Ter alguém pra conversar teria feito muita diferença.
4. "Estou aqui pra te ouvir"
De longe, essa é a que mais fez falta. Eu não tinha muitos amigos enquanto passava por esse processo todo; não era tão próximo assim dos meus pais, e achava (com razão) que levantar essa conversa com eles traria uma série de perguntas para as quais eu ainda não tinha resposta; a pessoa em quem eu mais confiava na época era minha namorada, mas eu morria de medo de que ela terminasse o namoro por todo o preconceito associado à bissexualidade masculina.
Então, meu único ouvinte era eu mesmo. Eu falava muito sozinho. Argumentava contra e a favor. Repetia centenas de vezes, tentando me convencer de que o que eu estava sentindo era real. Eventualmente funcionou, mas teria sido muito importante obter essa validação de outra pessoa.
Teria sido muito importante pra mim ter um espaço seguro pra me questionar. Ter a ajuda de alguém pra lidar com toda a confusão desse processo. Hoje, enquanto psicólogo, busco justamente fornecer esse espaço para quem me procura.
Se você está passando por esse processo agora, saiba que ele é normal e saudável. A sua existência é válida e importante, não importa qual rótulo você acabe encontrando (inclusive se não encontrar rótulo nenhum!).
E se você quiser usar o espaço da terapia para conversar sobre essas coisas, ficarei feliz em te receber.
Com orgulho,
Guilherme.
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